terça-feira, maio 02, 2006

Scolari fica em Portugal - uma questão cultural?


A história que vos vou contar diz respeito à contratação do novo seleccionador nacional inglês, mais precisamente, aos relatos de que o ainda nosso Luís Filipe Scolari, Felipão, ou “Big Phil” na versão inglesa, seria a escolha da associação britânica de futebol. Em vésperas de campeonato do mundo, as aspirações inglesas altas como sempre, e depois das “picantes” telenovelas protagonizadas pelo actual seleccionador, Sven-Goran Eriksson, não resta alma em Inglaterra, homem ou mulher, jovem ou velho, que não considere a contratação de um novo treinador, assunto de maior importância. Vai daí, os jornais britânicos revestiram as páginas de fotografias do calvo brasileiro, os olhos azuis apontando para uma ou outra intenção, o bigode proclamado apanágio do macho latino. Como é costume nesta ilha ao largo da Europa, imprimiram-se também linhas e linhas de palavras críticas sobre os atributos do principal candidato à designada posição. Em relação às qualidades de Felipão como técnico, ninguém apresentou dúvidas, apontando como argumentos o título mundial do Brasil em 2002 (elogiando-lhe a coragem de ter batido o pé à arrogância de Romário, algo que os comentadores reconheceram fazer falta na Inglaterra de Beckham, Owen, Ferdinand e Rooney) e o incrível feito de, dois anos mais tarde, ter levado a selecção portuguesa à final do campeonato europeu. Porém, resistia um consenso geral de que Felipão era o candidato errado. Á cabeça das críticas vinha o carácter do brasileiro, acusado de homofobia e de ser um confesso admirador do General Augusto Pinochet. Depois, vinha o inglês do treinador, descrito como “appalling” e um irremediável obstáculo ao desempenho da função. Alguns diários chegaram mesmo a publicar pequenos dicionários de inglês para o “Big Phil” recomendando-lhe palavras tão invulgares como “Money,” “pint” e “mobile.” Colunas femininas compararam o “simplório” casal Scolari com o incontestavelmente mais “glitz” duo formado por Eriksson e Nancy Del’Ollio (o nome diz tudo). E por aí fora…No fundo, no fundo, o que faltava a Scolari só apenas alguns e bravos comentadores tiveram o arrojo em enunciar: não era inglês. E visto que a Premiership é dominada por técnicos ingleses como Yousé Mourrino, Ársene Vengerr e Raphael Beniteis, não existe necessidade em ir buscar talento para além das praias incorruptas das ilhas britânicas. Ou existe?

Chegamos à sexta-feira e Scolari anuncia que não quer ser treinador da selecção inglesa. Numa conferência de imprensa na Alemanha, Scolari justificou-se: “Não quero ter mais nada a ver com a Inglaterra porque no espaço de dois dias a minha vida foi invadida e a minha privacidade foi perturbada. Neste momento, estão 20 repórteres à porta de minha casa. Se isso é parte de outra cultura, não é parte da minha cultura.” E pour cause: nesse mesmo dia os jornais ingleses publicaram uma entrevista com a suposta amante de Steve McClaren, treinador do Middlesbrough que chega este ano à final da taça UEFA, e dado como o segundo melhor candidato à posição, levantando dúvidas sobre o código moral do técnico, outra condição indispensável ao desempenho das ditas funções. No dia seguinte, levanto-me (tarde, confesso) e como é habitual vejo as notícias no site da BBC. O Chelsea ganhou o campeonato e, no seu inglês característico, Mourinho explica a um jornalista porque não demonstra a euforia que outros esperavam dele: “No, I didn’t enjoy so much. I give you one example: why didn’t I go yesterday to the press conference, when it was the last press conference before the title? Because I have no pleasure to go. And why I have no pleasure to go? Because I want to speak about my game, I want to speak about football and I know, and I have the proof, after the press conference with John Terry, that 75% will be about Scolari and 20% is about Barcelona, Milan and the referee, and this and that, and to be fair I’m not enjoying. (…) Maybe I have to be a different person to be in this country. Maybe this country, I mean this football country, is not adapted to my mentality.” De imediato, liguei as declarações de Mourinho à recusa de Scolari. Por esse motivo, corri para o supermercado pensando que os jornais de fim-de-semana, mais dados a análises do que os diários, trariam qualquer tipo de reflexão sobre o seu impacto dissuasor nos potenciais e actuais treinadores estrangeiros em Inglaterra. Fui ingénuo.

Sobre Scolari, os semanários argumentavam que o verdadeiro motivo por detrás da rejeição do técnico não era a “invasão de privacidade,” mas sim uma cascata de ameaças de morte recebidas por Scolari e pela sua família emitidas por portugueses furiosos com a sua saída. Como prova, os jornais apontavam o facto de Scolari ter feito questão em sublinhar que estava muito contente em Portugal e que sentia que ainda tinha muito para dar ao país. Não excluindo a hipótese de tal se ter passado, achei estranho que Scolari deixasse de aceitar tal proposta por essa razão. Mormente, o facto de ter ou não recebido ameaças de morte, não exterminava por si só a crítica pública feita por Scolari aos media britânicos. Pensei que ainda era demasiado cedo, que no domingo, já com tempo para digerir a segunda vitória consecutiva de Mourinho na Premiership, os comentadores ingleses se virariam para a autocrítica. Ingénuo pela segunda vez.

Os jornais de domingo já não acusavam os portugueses de ameaçar Scolari de morte caso abandonasse a selecção. Os hacks ingleses falavam agora de um capo português, qual Bernardo Provenzano, respondendo pelo nome de Gilberto Madaíl, que, nos bastidores, tinha tramado o fracasso da transferência. Começava assim o artigo do The Mail on Sunday: “Hundreds of miles from where Luiz Felipe Scolari solemnly declined to become England’s new £3 million-a-year manager, two men quietly celebrated a lunchtime coup.” Contava o artigo que Madaíl e o manager do treinador brasileiro, Gilmar Veloz, tinham assinado um contrato de £6 milhões com a Nike enquanto os britânicos julgavam contratar Scolari. E seguindo o tema Cosa Nostra o artigo acabava: “As the only Englishman in the room, I asked if a new contract was imminent for the Brazilian. “What do you think?” he (Madaíl) said, still smiling as the spin doctors hurried him away.” Sobre Mourinho e as suas declarações, os jornais acusaram-no de sede de protagonismo e de ser um eterno insatisfeito, o que explicaria o seu desejo pelo sucesso. Mas há mais: uma vez que foi um português, Paulo Ferreira, jogador da equipa treinada pelo mesmo Mourinho que envergou o cachecol português após vencer o título, que lesionou Wayne Rooney, que por sua vez sofreu a mesma lesão no Europeu de Portugal em 2004, cuja selecção inglesa poderá vir a confrontar a selecção portuguesa nos quartos de finais do Mundial, quem lesse o The Mail on Sunday era capaz de acreditar que se tratava, peço desculpa, de mais uma cabala! Desta feita, internacional!

Invadindo privacidades ou não, uma imprensa que não tem capacidade de introspecção quando criticada, levianamente atirando a responsabilidade para cima de um homem, de um povo, ou de uma nação, tecendo telenovelas para agradar aos leitores, é uma imprensa em vias de perder a sua credibilidade. E é por isso que os blogs, sinceros, despreocupados com a circulação, oriundos de toda e qualquer pessoa que disponha de tempo para escrever, irão prosperar no futuro.

3 comentários:

Mexi disse...

Pronto eu ponho-me a gozar e tu escreves algo sério ou pelo menos mt bem escrito. Acho q vou deixar de publicar coisas neste blog. Fui largamente ultrapassado no meu próprio interesse... Lol.
Um ab do teu irmão

Eda disse...

Eu tenho que concordar com o Pedro... Quer-se dizer, qualquer dia para escrever aqui alguma coisa de jeito, tenho que ter um dicionário ao lado... Agora fora de tanga...O texto tá muito bom.. gostei do comentário... Tu é que tás no bom caminho... (penso eu de que - também n percebo nada de jornalismo, mas é o que me parece...)

Capanga disse...

Depois de ler este post perdi a coragem de escrever neste blog.
Uma pessoa que aqui entre vê este texto e delicia-se a ler e depois vê uma pseudo critica de um jogo de futebol que os poucos sobreviventes do aviz realizaram, e verdade seja dita, ficam um bocado desanimados.
Em jeito de compensação temos logo a seguir uma bela provocação:P